d-_-b Playlist da vez
Recentemente me dei conta de que muitos dos escritores pelos quais sou mais apaixonada tinham um quê de “maluquice”. Todas e todos têm escritos que parecem delírios, vindos de um universo distante do que nós habitamos, de mentes tão inquietas que às vezes se atropelam nas palavras e parecem não se fazer entender. Esses sempre foram meus preferidos. Os versos fora de lugar, as palavras dispostas de forma confusa e que parecem só fazer sentido mesmo pra quem escreveu. Eu amo, desde sempre.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Mesmo desde cedo apaixonada pelo caos, me tornei obcecada por perfeição. Programada como um algoritmo, leio e releio cada palavra que escrevo quase que obcecada com a ideia de que façam total sentido pra quem tá do outro lado da tela. Não é uma preocupação vazia, se quero comunicar, é importante que me faça entender. Mas será que é essencial? Sei lá, acordei pensando.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
A verdade é que vim falar sobre fugas (e acabei fugindo do tema). Sobre a necessidade que sinto de fugir quando o ambiente fica claustrofóbico e as correntes apertam. [Será que me faço entender? Fica a questão]. E há muito, como quem tá comigo há algum tempo tá cansada de saber, as redes sociais têm me colocado nesse lugar, em especial o Instagram. Então eu fugi. Não completamente, um pé cá outro lá, porque odeio as limitações, mas também não quero ficar sozinha, à deriva. É um paradoxo.
Fato é que eu precisava de um escape, um respiro, um buraquinho onde pudesse colocar a cabeça pra fora e respirar. A newsletter já tem esse papel, mas conforme o tempo passa, venho sentindo a necessidade de mais e mais ar e tomando gosto pelo vento na cara.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
É como quando você come um chocolate e acha tão bom que só o que você quer é comer chocolate. É inserir uma palavra que pode ser “mal compreendida” num texto, depois querer colocar uma sentença, um parágrafo, talvez três… até chegar num ponto em que os dedos só correm pelo teclado, sem pensar tanto (ou nada). Textos que são minutos roubados das paredes dessa redoma em que somos obrigadas a viver, buraquinhos pra colocar não só a cabeça, mas os dois pés e mãos pra fora.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
E hoje, nessa cartinha, te convido a fugir comigo, a praticar a rebeldia de não ter que corresponder a expectativas que não são suas, o direito de não fazer sentido sempre, de ter dúvida, de errar e de aprender do seu jeito, no seu tempo.
É o que busco nesses meus escritos espalhados por essa internet que já foi utopia e hoje é purgatório (na maior parte do tempo, mas não aqui, especificamente :). É assim que me encontro e te encontro, preferencialmente em espaços onde possamos gritar, chorar e sentir, sem paredes, sem mordaça.
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
*Trechos do poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa.
Miscelânea
Além de começar a fazer colagens, esse mês estou tentando ver mais filmes.
Comecei com um inédito, A assistente, excelente drama sobre a rotina da assistente de um magnata. Tem uma pegada bem realista e a cena do RH sozinha merecia um texto a parte. Gostei muito mesmo.
Hoje revi Antes do pôr do sol e foi bom lembrar o quanto eu amo esse filme. Estou revendo a trilogia e ela é toda boa, mas esse é disparado meu preferido. Gosto demais da simplicidade e beleza que ele tem. Uma caminhada pela cidade e um diálogo, só. E é lindo demais.
Também quero recomendar uma newsletter, a da Ariela K. Assinei recentemente e tô gostando demais. A escrita da Ariela é muito boa de ler e o projeto bíblico é sensacional. Recomendo super.
Querido diário
Sobre o sufocamento do instagram e a dificuldade de seguir em frente.
26 de abril de 2022 - Mudar dói 2
Mas o que eu percebo é que se eu não mudo, o mundo muda e me força num caminho que eu não quero seguir. Mudar significa reassumir o controle da minha trajetória. Eu não sei como fazer isso.
É preciso visão, planejamento, execução. Embora tenha muita vontade de percorrer todos esses passos, o desejo de deitar, dormir e deixar a outra vontade passar também é muito forte. Mas eu já sei o que pode acontecer com a minha vida se eu deixo a correnteza do mundo me levar e fico só me debatendo pra sobreviver.
Me torno um vaso vazio, com uma casca que tenta ser bonita, mas é fosca, sem brilho, sem cor e sem vida. Não posso voltar pra esse lugar, passei muitos anos da minha vida lá e fiquei claustrofóbica, amarguei uma infelicidade que custei pra desconstruir. Paredes de um elevador trancado comigo dentro que tive que quebrar no soco, na cabeçada, tendo só meu corpo como ferramenta.
Preciso sair do elevador de novo, preciso encontrar outro prédio pra me abrigar, outros móveis, outra decoração. E é interessante que isso esteja acontecendo no momento em que estou aprendendo como construir uma casa no mundo real. No mundo virtual, a mestre de obra sou eu e tá na hora de intensificar esse trabalho, de construir um teto pra chamar de meu.
Quase me esqueço! O blog mencionado no subtítulo, que ainda tá no comecinho, mas com muitas ideias engatilhadas é esse. A intenção é que o foco seja mais lá e menos no instagram, isso é o que estou construindo.
Por hoje é só, pessoal.
Se quiser continuar a conversa, estou por aqui XD
"Embora tenha muita vontade de percorrer todos esses passos, o desejo de deitar, dormir e deixar a outra vontade passar também é muito forte. Mas eu já sei o que pode acontecer com a minha vida se eu deixo a correnteza do mundo me levar e fico só me debatendo pra sobreviver.
Me torno um vaso vazio, com uma casca que tenta ser bonita, mas é fosca, sem brilho, sem cor e sem vida."
Há uns anos a sensação que tenho é essa e vivo com saudade de quem eu era quando via cores mais intensas, e me esqueço que somos a mesma pessoa.
Mais uma vez te falo que admiro essa sua capacidade de sublimar e resistir.
Eu era boa nisso. Preciso aprender com quem é muito mais! 🙂
Eu cá presa em mais uma breve recaída, me achando de novo incompatível com esse mundo estranho que nos colocaram/camos pra a viver e que é tido como norma(l) e recebo esse abraço de você e do Pessoa, me dizendo que ainda há um pouco de aconchego na vida, mesmo na que se passa na internet.
Obrigada por isso! ❤️