#21 O que eu escrevo deveria ser mais importante do que onde eu publico
assim tento pensar.
“… não se guarda as palavras, ou você as fala, ou as escreve, ou elas te sufocam.”
(Clarice Lispector)
Não tem como eu falar sobre escrever na internet sem precisar comentar toda vez que quando cheguei aqui isso tudo era mato. Uma chegada que aconteceu no meio da minha adolescência, quando eu tava descobrindo que escrever era algo que me fazia bem e que eu gostava das coisas que escrevia. Comecei fazendo muita poesia, depois textos dissertativos sobre a vida que não sei nomear se eram crônicas, ensaios ou qualquer coisa que o valha. Nesse setor nunca fui boa de teoria, só sabia que escrever era bom pra mim e escrevia.
Aos 16 anos descobri o mundo dos blogs e vi portas e janelas se escancararem na minha frente. Janelas pra dentro da vida de pessoas que eu não conhecia, revelando coisas surpreendentes e pensamentos profundos que, no isolamento da vida real, achava que só eu tinha. Portas abertas pra publicar meus próprios textos, pra contar sobre a minha vida e revelar segredos que eram meus, mas podiam ser de outras pessoas também. Que mundo incrível a gente vislumbrava pela frente.
Meu primeiro blog foi do falecido weblogger.com.br, uma das primeiras plataformas a oferecer o serviço em português. Montei minha casa lá, como já contei na primeira edição dessa news e, com o tempo (numa época em que os buscadores serviam pra de fato buscar era digitado) fui aprendendo sozinha como usar html e photoshop pra ir melhorando o visual do pedacinho de chão da internet que era só meu (ou parecia assim, pelo menos).
Os anos passaram, as redes vieram, os textões do facebook e a microblogueiragem do twitter tomaram o espaço dos blogs. Não fazia mais sentido escrever num lugar onde alguém tinha que ir, quando você podia escrever onde todo mundo estava. Esse foi nosso grande erro, eu acho. Mergulhamos de olhos fechados e braços abertos nas novas tecnologias e ferramentas de comunicação que venderam um grito mais alto de liberdade, pra depois nos aprisionar em bolhas, algoritmos e inúmeros limites invisíveis que nos escravizam, ao mesmo tempo que nos emburrecem.
Hoje, a cabeça produz um pensamento que sinto vontade de escrever e de imediato pergunta em qual caixa devo colocar. É só um rabisco pro papel ou algo que vale desembolar num texto maior e postar na newsletter? É material pro blog que eu criei na esperança de ressuscitar a prática e ficou meio sem lugar na minha vida? Talvez valha só digitar poucas linhas pro twitter ou pro bluesky ou pro notes que têm menos gente maluca… Um vídeo pro instagram, será que seria o caso? Nesse emaranhado de perguntas, perco o tino, a ideia e a vontade de escrever. Deixar pra lá é bem mais fácil.
Por isso tô aqui, depois de decidir que esse pensamento vale uma newsletter e que posso não saber onde colocar o que escrevo, mas ainda assim preciso escrever. Que seja só pra mim, que não vá pra lugar nenhum além do meu caderninho, meu diário no notion ou alguma folha solta (sim, offline também há muitas opções), o importante é não deixar as vozes da minha cabeça que produzem algo que vale um escrito serem sufocadas pelas vozes que querem encontrar um modelo ideal de escrever. É a história da minha vida, me perder na forma e esquecer do conteúdo. Mas pelo menos hoje eu escrevi sobre isso em algum lugar e agora posso seguir em frente pra pensar em outras coisas.
Querido diário
Segunda, 07 de fevereiro de 2022
(ou o dia em que parafraseei Clarice sem querer risos)
Escrever é uma dor de barriga
Uma dor semelhante às contrações do parto ou de diarreia. Se vai sair uma criança cheia de vida e potencial ou uma pilha monumental de bosta não importa. O que importa é tirar de dentro de você.
Por hoje é isso. Até mais :)
"me perder na forma e esquecer do conteúdo" achei lindo isso!
Amo te ler…