Olá! Bem-vinde à minha colcha de retalhos. Costurei essa cartinha para te enviar no último dia de cada mês (na medida do possível), com recortes do que vi, li, experimentei e refleti. Se gostar (e se não gostar também), me manda um recadinho para eu saber o que reforçar e como melhorar :).
d^_^b Começo com a sugestão de uma playlist que preparei para acompanhar a leitura, com músicas que embalaram o último mês por aqui. Em outubro mergulhei nos anos 90/00, sem passagem de volta.
Quando criança eu achava que era bruxa, na adolescência tinha certeza. Nessa época você poderia me encontrar pela internet (que era tudo mato) com os nicks BridaJF, A_Bruxa, MorganaLeFey e outras variações do tipo. Essa cartinha é, de certa forma, um sonho que eu venho construindo desde aquela época, mas não sabia como concretizar.
Quase vinte anos atrás, no meu primeiro blog, "lovelywitch.weblogger.com.br", a minha “bio” se chamava "A Bruxa e a Magia", e falava sobre meus gostos, aromas e cristais. Naquela época eu estava lendo o “Guia Essencial da Bruxa Solitária” e aprendendo a fazer um “livro espelho”, que nada mais era que um diário, onde eu podia escrever tudo o que sentia. Aí chegaram os blogs e eu mergulhei no mundo virtual de cabeça. Colocava tudo ali, “detalhes sórdidos” da minha vida e até os nomes dos “crushs”, que na época a gente chamava de paquera mesmo.
Com o passar do tempo e o caminhar da nossa trajetória com a internet, fui sentindo os efeitos negativos da exposição, experimentando a maldade das pessoas e acumulando novas noções de vergonha e constrangimento, que acabaram pavimentando meu comportamento desde então.
Como a Kiki (bruxinha do filme que recomendo lá no final), fui perdendo meu encanto, que foi sendo substituído por inseguranças diversas e necessidade de validação constante. Fui deixando de lado as visitas que fazia à floresta mágica dos meus pensamentos, onde eu me refugiava e me encontrava, me despia e me fortalecia e passei a ficar mais tempo aqui, me alimentando de vidas alheias que não se pareciam nada com a minha.
Comecei a usar a internet aos 15/16 e lá pelos 30 eu já estava completamente perdida, sem a menor pista de onde encontrar um caminho que me trouxesse de volta pra mim. A vida toda eu quis seguir padrões e habitar as redes era uma bela forma de gastar muito tempo tentando me enfiar em caixas que não me comportavam. Aqui eu sofri bullying e hostilizei pessoas, me senti feia todos os dias e quis ser blogueira de moda e beleza, queria que todo mundo me visse, ao mesmo tempo que fui perdendo a coragem de demonstrar qualquer aspecto da minha realidade caótica nesse mar de perfeição fabricada.
E é por isso que hoje tô aqui. Depois de longos processos de tentativa e erro, tento mais uma vez resgatar aquela menina que falava orgulhosa que “Lívia significa transparente” e acreditava que sua mágica era ser sincera, nas expressões e nas palavras.
Durante muito tempo percebi, mas não reconheci que muitas das limitações que eu sentia não tinham a ver comigo, mas com a sociedade em que eu vivia/vivo. Questionava a forma diferente com que o mundo tratava as mulheres, mas buscava individualmente mudar essas probabilidades (como se isso fosse possível). Foi assim até eu descobrir que bruxas não eram figuras sobrenaturais habitantes dos contos de fada. Bruxas eram mulheres, que tiveram seus poderes tomados junto com a sua liberdade e cuja mágica nunca foi esquecida, mas controlada.
Essa carta é a minha tentativa de reivindicar meu poder de volta e o de todes que quiserem participar dessa retomada. Juntas somos mais fortes, sempre.
Nem cinco minutos guardados
Nessa seção, divido com vocês textos não muito longos que li no mês e que valem o compartilhamento.
Jacobin - Como a mobilização das mulheres contra a carestia desmoralizou os militares
Artigo muito interessante sobre a criação do Movimento do Custo de Vida, uma mobilização social construída por mulheres trabalhadoras na luta contra a fome e a carestia. O movimento teve origem nos “Clubes de mães”, onde “as mulheres das comunidades se reuniam para realizar oficinas de trabalho para geração de renda (de costura, crochê etc.), para participar de formações em temas como saúde e sexualidade, e para discutir os problemas de seus bairros.”. A descrição dos Clubes de Mães me lembrou os “grupos de conscientização”, mencionados por bell hooks no livro “O feminismo é para todos”, como locais em que pessoas se reuniam para dividir experiências e confrontar o próprio sexismo. Mais que líderes arrastando multidões, talvez o que a gente precise mesmo seja disso: rodas de conversa, oficinas de formação, pensamento coletivo e muita reflexão.
Jarrid Arraes - Agora todo mundo é influencer?
Esse texto descreve muito bem uma conversa que ando tendo com quem acompanha o insta já há algum tempo e tem tudo a ver com as razões que me levaram a criar essa newsletter. É preciso recriar espaços na internet em que possamos apenas ser. Sem influenciar ninguém nem vender nada. Sem manipulação de algoritmo e sem escravização de quem produz e consome conteúdo. Será que ainda é possível? :L
Você pode substituir a criminalização por…
Deixo aqui um link, um post, uma provocação ou qualquer coisa que possa nos fazer pensar em soluções de segurança fora da caixa do Direito Penal. Que tal?
81% das mulheres já sofreram violência em seus deslocamentos pela cidade
Mesmo com todos os crimes e penas altas previstas no que diz respeito à violência contra a mulher, os números aumentam de ano a ano e nada parece mudar, pelo contrário, em certos setores as coisas pioraram. E se toda essa criminalização não resolve, talvez precisemos começar a pensar em como essas violências continuam sendo usadas para nos controlar e limitar os espaços em que circulamos. O transporte público tem tudo a ver com isso. Essa pesquisa da Agência Patrícia Galvão dá um bom panorama sobre como essas violências encolhem nosso mundo e a nossa liberdade.
Sem políticas públicas de promoção da segurança e da educação da população, de nada adianta criar mais e mais tipos penais. Se com a criminalização, os assédios, as importunações sexuais e até mesmo os estupros (como essa atrocidade, assistida e filmada pelos passageiros de um metrô na Filadélfia por 45 minutos, sem que ninguém chamasse a polícia) continuam ocorrendo em índices assustadores, o que mais podemos fazer para evitar que essas violências aconteçam? É urgente pensarmos alternativas.
Para deitar no sofá e esquecer da vida
Coisas que vi na TV esse mês e recomendo pra maratonar.
Maid - Netflix - Quero muito escrever um texto sobre essa série, mas ainda não deu. Então aproveito para indicá-la aqui. É um soco na cara de realidade e do perrengue que mulheres vítima de relacionamento abusivo precisam enfrentar no capitalismo para conseguir desfazer o vínculo e conseguir alguma emancipação. É doída, mas também é muito sincera e bonita.
O serviço de entregas da Kiki - E no tema do dia das bruxas, uma animação delicinha que tive o prazer de conhecer através da newsletter da Aline Valek, que pegou a dica na newsletter da Taís Bravo (aproveito para indicar as duas, grandes inspirações pro que tô fazendo agora), sobre Kiki, uma bruxinha que sai da casa dos pais e vai perdendo sua magia quando começa a trabalhar em outra cidade. É uma história gostosa e divertida sobre crescer, descobrir o novo e se redescobrir.
Geração 30 e poucos - Netflix - Uma série italiana, que casa com a temática que resolvi explorar em outubro, de primórdios da internet e romances adolescentes. Bem levinha e descontraída sobre absolutamente nada sério, porque nem só de militância vive a militante ^_^.
Destaques de outubro no @liv.re_
Esse mês tivemos um papo interessante sobre consentimento e resistência inequívoca nos termos do Código Penal. Além do post no feed também teve live e muitos stories sobre o assunto. Recomendo para quem quer entender melhor casos como o da Mariana Ferrer, que ganhou grande repercussão no último ano e resultou em uma lei, que exige que as partes envolvidas no processo prezem pela integridade física e psicológica da pessoa que denuncia essas violências.
Fica ligade no instagram porque em novembro tem mais novidade e eu tô especialmente animada pra contar essa pra todo mundo, assim que der. Não perde lá!
Por hoje é só. Sinta-se à vontade para responder e trocar ideia por aqui também, puxa a cadeira e me conta o que achou da experiência. Eu, particularmente, tô amando <3. Nos vemos no próximo mês. Até.
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Gostei tanto! E me identifiquei muito… Me lembro quando tudo isso aqui era mato e como que a gente ficava buscando alguma identificação que nunca vinha… Coisa que acontece até hoje… Gostei muito das indicações e principalmente do gif da Mônica de Friends no início! Achei muito bom esse apanhado que você trouxe e fiquei muito chocada com o caso de estupro na Filadélfia… Me lembro de um filme que Jodie Foster fez acho que na década de 70/80 para recriar uma história real nos Estados Unidos nessa época de um estupro coletivo que durou horas num bar norte-americano. Pensar que isso aconteceu nesse mês em pleno 2021 me deixa horrorizada… E realmente me lembrou também sobre o episódio de black mirror.
Ficou ótima a primeira carta! Que venham muitas outras!