Hoje saiu o resultado de um exame da minha mãe e não foi o que esperávamos. Ela está em pausa da quimio, pela 2ª vez e, mesmo tomando o máximo de cuidados, criamos expectativa de que a 2ª poderia ser melhor ou pelo menos igual à 1ª.
Explicando melhor a situação, minha mãe tem câncer de ovário com metástases, foi diagnosticada em janeiro de 2023, também conhecido como o pior mês da minha vida, e vem fazendo tratamento desde então. Por ter metástases, não há opção curativa, apenas paliativa. A esperança é controlar o câncer como se controla uma doença crônica e ir vivendo enquanto isso.
O câncer metastático não é mais uma “sentença de morte”, como já vi ser retratado inúmeras vezes em Grey’s Anatomy e nas novelas. Enquanto a doença está sob controle é possível viver uma vida “normal”, no caso dela, com sessões de quimioterapia a cada 3 semanas, e no meio tempo sorrir, ir pra praia, trabalhar, realizar…
Minha mãe realiza muito. Ela é uma máquina de fazer acontecer e eu sempre admirei muito isso nela, como quem admira o alto de uma montanha onde sabe que nunca vai chegar, como quem daqui debaixo a assistiu pagar o alto preço que uma vida de tão alta performance cobra.
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Pois bem, o resultado. Como eu ia dizendo, ela estava em pausa pela 2ª vez e o acompanhamento desse período é feito a partir de um exame de sangue simples, que detecta certos marcadores que indicam a atividade do câncer no organismo. O índice de referência é 35, um médico nos disse que já teve paciente com mais de 10 mil. O da minha mãe hoje deu 103. Nada disso quer dizer muita coisa além do fato de que o resultado indica que ela vai precisar fazer novos exames e possivelmente voltará pra quimioterapia. As férias acabaram, é o que o número significa.
Em 2023 minha mãe passou 1 mês internada por conta de um derrame pleural, que mais tarde viemos a descobrir ser um sintoma do câncer. Após o diagnóstico e 6 ciclos de quimioterapia, ela foi submetida a uma cirurgia pra retirada de ovários e outros órgãos abdominais, na tentativa de remover o máximo de células cancerígenas possível. A cirurgia foi um sucesso na medida do que poderia ser, visto que não era curativa, e ela ficou 10 meses livre de tratamento. Pudemos fingir, por um breve tempo, que nada tinha acontecido.
Mas ano passado o câncer voltou e trouxe consigo novos obstáculos. Estava faltando medicamento no hospital do SUS e o tratamento dela e de vários outros pacientes foi atrasado e prejudicado por um problema que custou a ser resolvido. Choramos, postamos, falamos com amigos, fomos ao Ministério Público e brigamos com tudo o que tínhamos até que a situação se normalizasse. Ao final de mais 6 ciclos, um novo exame indicava ser possível mais uma pausa, essa de agora.
Dois meses depois, estou lembrando o trajeto até aqui e revivendo a dor dilacerante e o pavor que me paralisou nos últimos anos, tentando entender o que fazer com isso e me preparar pra próxima rodada. Tudo por causa de alguns números.
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Eu juro que sou imensamente grata por ter a minha mãe comigo 25 meses após o diagnóstico e por saber que ela se sente bem, que o tratamento não tem sido tão custoso e, principalmente, por haver um tratamento. Em vez de esperar pelo pior, podemos ter esperança e eu me esforço muito pra manter esse sentimento vivo, muito mesmo.
Mas eu também penso muito mais na morte do que jamais havia pensado. Na pandemia ela teve covid e ficou internada três semanas, pensei muito nessa época também, mas “só” durou três semanas. O que eu sinto hoje não vai acabar porque, se acabar, bem… você deve imaginar o que precisa ter acontecido.
Ao saber da notícia tento parecer inteira, sinto vontade de comer tudo e de não comer nada. Ela percebe meu silêncio no almoço e sabe o que eu estou pensando. Desconfio que ela esteja pensando o mesmo.
Eu sinto tanto pela minha mãe, pelo tanto que ela merecia viver mas não vai, porque a vida não é um filme do Morgan Freeman e no capitalismo patriarcal, se você tem uma doença terminal, você continua precisando trabalhar, cuidar e segurar a estrutura da família nas costas.
Mudaram as estações
Nada mudou
No meio de tudo isso, me sinto culpada por ter sentimentos não nobres sobre o que está acontecendo com ela e que não quero tornar sobre mim, mas meio que super é também. Porque eu não sei como é viver sem ter mãe, eu não sei como é viver sem ter a minha mãe. A única pessoa no mundo inteirinho que eu tenho certeza que vai me amar pra sempre.
Que o pra sempre sempre acaba
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Eu não sei o que fazer com essa dor que me paralisa, então tô aqui, cortando retalhos de um coração sangrento e costurando essas linhas desconexas, com os pontos meio frouxos. Tô aqui falando disso porque desde que vi aquele número não consigo pensar em outra coisa. Mas também tô aqui pra não deixar que esse número me domine, pra deixar escrito que há muita vida pra viver a cada 21 dias. Muito riso, muito abraço e muitos passos entre cada batalha e cada trégua.
Mesmo com tantos motivos
Pra deixar tudo como está
E nem desistir, nem tentar
Agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa
Você também pode me ler e falar comigo por aqui:
E por hoje é só :]
Querida! Só li esse agora (e que delícia poder deixar tudo guardadinho no meu email para saborear com calma ❤️) e quero te mandar, alem de um abraço bem apertadinho, um comentário de mãe que espera que um dia tenha uma relação linda assim e que meu filhote saiba, como vc sabe, que ele é tão amado! Essa para mim será missão cumprida!
Cuidem-se e curtam-se! Estou por aqui sempre que quiser desabafar e papear também ❤️
um abraço, Lívia!