Na última edição falei sobre o filme A substância e sobre o desejo de ser bonita de acordo com os padrões sociais. Hoje trago um texto sobre outro tipo de beleza e um que é uma confissão meio ficcionada.
Era eu dessas meninas que ficavam deitadas na cama ouvindo música e escrevendo no diário? Honestamente não consigo invocar uma memória concreta que confirme, mas gosto de pensar que sim porque sempre achei bonitas as imagens de meninas que faziam isso e era uma beleza que eu conseguia emular sem dinheiro e procedimentos estéticos.
O que eu tenho é uma caixa cheia de diários e cadernos de diversas idades. De alguma forma, esses escritos foram escritos. Gosto de pensar que pelo menos alguns foram assim: deitada na cama, ouvindo música, com os pezinhos para cima. Bem linda.
(caderno pessoal, 18/11/24)
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Tem essa mulher… Meu deus, como ela é bonita. Um corpo “escultural”, pele impecável. Bijuterias posicionadas estrategicamente onde mais brilham. Hoje ela está ainda mais magra e padronizada que quando a conheci.
O que me irrita mais é que ela tem dinheiro, nasceu com ele. Dinheiro pra ser cuidada e vestida como eu nunca pude.
Viaja pra Europa e pros Estados Unidos, tem por hábito comer porções minúsculas em restaurantes caros. Uma mulher de gostos simples, amparada por uma família de posses.
Eu não me aguento, invejo muito. Ao mesmo tempo que acho que desejo, não só ser, mas ter, absorver. Que sentimento louco.
Odeio o que ela representa, mas admiro a beleza e simpatia que ela carrega. Tão jovem, tão galera, tão imatura e tão vivida. Tem cabelos longos, com cachos na ponta e raiz lisa, como eu sempre quis ter. O nariz fininho ornamentado por uma argolinha, os dedos compridos, o pulso fino, sempre com anéis e pulseiras. Quase não usa sutiã, deixa os seios jovens marcarem as camisetas. Faz escova no cabelo de vez em quando. É muito simples, mas muito bem tratada. Não é uma simplicidade real, é maquiada.
Ela parece livre e linda, mas no fundo é um passarinho na gaiola como todas nós. Uma gaiola bem grande e bem dourada, mas gaiola ainda assim. Eu sei que ela não se acha magra o suficiente, que não se sente amada o suficiente e que sofre por não conseguir caber no molde que deram para ela, ainda que se ajeite nele melhor que eu.
São as histórias que crio pra mim, quando olho pra ela e vejo que nunca vou ser assim.
Você também pode me ler e falar comigo por aqui:
E por hoje é só :)
Sempre tive inveja de quem conserva diários há muito tempo, nunca consegui e fico achando que agora é tarde...