O texto de hoje foi produzido para o dia 09 do Literoutubro na Toranja.

Fazia 15 minutos que eu havia sido internada quando ele abriu a porta. Olhou para mim com o mesmo ar de superioridade de sempre, literalmente de cima para baixo, e se aproximou da cama em silêncio.
— Me perdoa, vô, por favor. Eu não sabia o que fazer, estava desesperada!
Diante do absoluto silêncio, continuei:
— Eu estava numa festa no Rio, colocaram alguma coisa na minha bebida. Depois disso, tive um apagão. Acordei no dia seguinte em casa, com sangue nas roupas. Me senti tão mal, vô, tive tanta vergonha!
Em troca da minha confissão, nenhuma reação. Olhos azuis gelados me encaravam fixamente, sem mover um músculo. Enquanto eu molhava a camisola áspera do hospital com minhas lágrimas, ele mantinha o mesmo olhar e o mesmo silêncio de quando entrou pela porta. Depois de alguns segundos que pareceram semanas, perguntou:
— Quem te deu o chá? Foi aquela velha de Cachoeira?
— Não, vô! Eu comprei na internet! Não sei de quem foi, o site não existe mais!
— Alexandra, você já mentiu demais. Não me faça perder a paciência. Eu sei que foi a velha. Agora preste bastante atenção: o delegado Arantes vai chegar daqui a pouco, e se você quiser manter sua vidinha de princesa mimada, vai contar para ele exatamente como conseguiu esse chá. Está me entendendo? Ele não vai te fazer perguntas sobre como você chegou nesse “estado”; isso é um problema de família. Mas você vai explicar direitinho como aquela bruxa te convenceu a tomar essa poção do demônio e a cometer assassinato por ela, usando suas próprias mãos.
Como nunca fui capaz de sequer imaginar um mundo em que eu pudesse desafiar meu avô, tudo o que pude fazer foi chorar muito e assentir com a cabeça.