O texto de hoje foi produzido ontem para o dia 02 do Literoutubro na Toranja. Não sou boa em narrativas e tenho treinado pra ver se melhoro, então aí vai:

Era setembro de 2027 quando gritos masculinos ecoavam nas paredes do Congresso Nacional. Depois de tanto insistirem, finalmente aprovaram. Conseguiram tornar ilegal o aborto, em todas as suas formas.
ACABOU O ASSASSINATO DE BEBÊS PORRA, eles bradavam.
Laura assistiu à sessão enquanto corrigia provas e se perguntava de que adianta tanto esforço para tentar ensinar. Ligou para a avó e avisou que a busca pelos seus serviços provavelmente aumentaria.
Dito e feito. Em poucos meses Amarilis precisou recorrer à sua rede secreta de contatos para repor alguns ingredientes utilizados na mistura de fazer vir a menstruação. Sabia que o ofício de todas elas estava em risco, mas não podia deixar de ajudar quem a procurava. Apesar de tudo se sentia segura em seu sítio pois era um nome importante na comunidade, sabia muita coisa e tinha salvado a vida de muita gente. Ninguém ousaria atentar contra ela.
Certa noite uma moça bateu desesperada à sua porta. Cabelos loiros, pele pálida, olhos grandes e azuis, aparentava vinte e poucos anos. Chorava muito e suas palavras quase não faziam sentido, repetia incessantemente que só queria esquecer, que precisava tirar dela a lembrança do que havia acontecido. Amarilis lhe serviu um chá de camomila, sentou na cadeira de frente a ela, estendeu as mãos até o meio da mesa. A moça engoliu o chá com pressa, assim como engoliu o choro, colocou as mãos por cima das da anciã e sussurrou: por favor, me ajuda. Saiu de lá duas horas depois, com um saquinho de pano na mão e orientações sobre o que fazer com o conteúdo.
Passadas duas semanas, soube por Laura de um inquérito aberto na delegacia local. Uma jovem foi internada após ter a gestação interrompida por complicações que os médicos desconfiaram que não fossem naturais. A investigação corria em sigilo e, apesar da previsão legal de prisão preventiva imediata para suspeitos de crime contra a vida, não foi o que aconteceu com a moça, que logo após a alta hospitalar foi encaminhada para uma instituição psiquiátrica de luxo.
Amarilis de imediato identificou quem era, mas não disse nada. Se levantou do sofá, recolheu as xícaras de café e foi para a cozinha, deixando a neta falando sozinha na sala. Teve dificuldade para dormir naquela noite, nem o mulungu a impediu de revirar na cama a todo instante. Antes da alvorada já estava de pé como de costume, mas ficou em dúvida se saía para regar as plantas. Preferiu ficar na cozinha, ferver o leite e esperar o sol nascer.
Às 06:01 abriu a porta e parou ao pé da escada da varanda com o regador na mão. Às 06:02 um carro estacionou e dois homens saíram, nas mãos do que veio na frente uma Glock e uma folha de papel ofício. Esticou o braço com o papel no rosto de Amarilis enquanto apontava a arma com o outro. Mais atrás, também com arma em riste o outro gritava: Mexeu com as pessoas erradas, bruxa velha.
Depois disso, não viu mais nada.