Segunda, 27 de maio de 2024
Sete dias de atraso da menstruação. Eu não queria fazer o teste hoje, mas o cardiologista me olhou como se eu fosse maluca por estar desconfiada e não querer saber agora. Me senti colocando a vida em risco, então fiz.
Mais um negativo de tantos que perdi a conta. Me convenço que é importante fazer pra saber como vou me sentir. Bem… até agora, sempre um pouco bosta. É uma constante.
Os sentimentos seguem bem confusos. Tá, eu até sei nomear: sinto decepção. Mas decepção de quê? Pela impossibilidade de existir um bebê num futuro próximo ou por falhar em mais um teste?
Confesso que a segunda frustração me parece maior que a primeira. Talvez eu não esteja pronta, talvez nunca vá estar. Enquanto isso, ciclos abrem e fecham, meses passam voando. E quanto mais ciclos e mais meses, menos óvulos.
Tenho pensado e conversado muito sobre gravidez. Com meu parceiro, minha médica, minhas amigas, minha mãe… Escrevo um tanto sobre isso também, artigos, posts e histórias sobre direito de escolha e o exercício da maternidade associada ao nosso suposto papel de cuidadoras universais, naturais, dotadas de “instinto maternal”.
Sempre que penso no meu direito de escolha não consigo deixar de duvidar se essas decisões são totalmente minhas. Se um dia vou sentir que realmente são. Enquanto reflito e duvido, envelheço. Os óvulos vão, um a um, saindo de cena e eu continuo sem saber se esse desejo de gestar e parir é algo que nasceu aqui dentro ou foi empurrado de fora. Como ter certeza? É possível? Não sei.
Assim como não tenho a mais vaga ideia se vou ser uma boa mãe. Não sei se vou amar incondicionalmente e se isso é mesmo necessário. Não sei se quero ser mais uma “mãe do apocalipse”, tendo que criar uma pessoa num planeta em colapso e ensinar pra ela que é preciso ter esperança, coisa que ainda não aprendi.
Não sei se vou ter dinheiro e estabilidade pra alimentar e cuidar com dignidade desse ser vivo que vai depender de mim por muitos e muitos anos. Não sei se viverei em um ambiente em que isso seja possível. A vida é tão longa e imprevisível… Mas, desde que o mundo é mundo, quem tem essas respostas, afinal? A vida hoje é uma coisa, amanhã não é mais.
Eu brigo pelo direito de escolher das pessoas que gestam que conheço e que não conheço, dou o que tenho pra aprender e replicar sobre como a maternidade compulsória ainda é uma questão pra nós e como essa luta tá tão, mas tão longe de acabar, ao contrário do que eu pensava quando era mais jovem e achava que a história era uma coisa linear.
Vivemos num país que não oferece a estrutura mínima para que uma mãe solo não seja aprisionada pelos deveres de cuidado, ao mesmo tempo que somos obrigadas a encarar toda perspectiva de maternidade como solo, porque é sempre uma possibilidade, mesmo pra quem ainda tá junto.
A todo tempo é jogada na nossa cara a diferença de laço entre quem insemina e quem gesta. E não é uma diferença natural, colocada por fatores biológicos, mas social, imposta pela nossa forma de viver. Ao genitor, sempre é dada a possibilidade da fuga, por falta de preparo, por desconexão, por priorizar outras coisas, por querer ler mais livros… o motivo sequer importa, mas o poder sempre existe. Já pro outro lado da equação, uma vez gestante, pra sempre na prisão. Na prisão daqueles que querem decidir o que pode ou não permanecer num útero e como deve ou não se comportar a pessoa detentora desse útero, uma vez que a tal “semente” germina lá dentro. Pra nós as escolhas são muito poucas, pra que eles possam ter todas. Aí fica a questão: quem enxerga a maternidade dessa forma (como ela é), vai querer mesmo ser mãe?
Tudo tem um outro lado, certo? Tem sim muita dor e um compromisso pra vida toda, o que assusta bastante, mas tem também a beleza inigualável de trazer e criar um ser humano. Tem a mágica de resistir, gestar e parir esperança nesse mundo tão torto, tão injusto. Tem o amor entre duas pessoas que pode se tornar o amor de três (quatro, cinco…). Tem a utopia de lutar pra que o mundo seja melhor pra nossas sementes brotarem e crescerem.
São muitos poréns, são poucas respostas certas. Eu sigo deixando a vida me levar, até que a certeza venha, da forma que tiver que vir. Faço 40 esse ano, não paro de pensar que minha janela está fechando, mas de tanto pensar talvez tenha chegado à conclusão mais difícil: grávida ou não grávida, eu acho que vou ficar bem de qualquer jeito, venha o que vier. Até porque, gestar não é nem de longe a única forma de ser mãe que existe. Colocando na balança as dores e alegrias, pelo menos por enquanto, decidi não decidir e deixar meu corpo apenas ser. O que, por si só, já é uma escolha, né?
Talvez eu tenha ferramentas e condições suficientes de elaborar, refletir e fazer uma escolha mais ou menos consciente, mas a grande maioria das meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil infelizmente não têm o mesmo privilégio. Eu finalmente voltei ao Catarinas e escrevi dois artigos nos últimos meses. Um é sobre direito de escolha e o mais que absurdo PL 1904/24. Se informem e, se possível, falem sobre o assunto, porque o ataque ao nossos precários direitos infelizmente tá longe de acabar. Clica abaixo pra ler:
A criminalização do aborto é uma violência de gênero
Por hoje é isso. Até mais :)
Que bom te ler. Olha, eu fui mãe do jeito mais torto, inesperado, adoidado. Não recomendo, mas talvez só assim fosse possível. Se pesasse tudo certinho, não seria. O conflito sobre "o que poderia ter sido" vai existir você se tornando mãe ou não. Escreva mais!